TJRO mantém imunidade parlamentar em caso de acusação de corrupção contra prefeita
Decisão da 2ª Câmara Cível do TJ-RO destaca a imunidade de vereadores em manifestações no exercício do mandato
Ariquemes, Rondônia - O Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ-RO) proferiu uma decisão relevante no caso envolvendo a prefeita Carla Gonçalves Rezende, a Carla Redano, e o vereador Rafael Bento Pereira.
A 2ª Câmara Cível do TJ-RO, comandada pelo desembargador Paulo Kiyochi Mori, negou provimento ao recurso de apelação interposto pela prefeita, mantendo a imunidade parlamentar do vereador em relação às acusações de corrupção.
O caso teve origem em uma ação de indenização por danos morais movida pela prefeita contra o vereador. Alegava-se que o vereador teria proferido palavras difamatórias durante uma sessão ordinária da Câmara Municipal de Ariquemes, insinuando que a prefeita e seu marido, deputado estadual Alex Redano, estariam envolvidos em práticas corruptas. A decisão inicial da 4ª Vara Cível de Ariquemes havia julgado improcedente o pedido de indenização.
No recurso de apelação, a prefeita argumentou que os políticos não estão isentos de sanções e punições, apesar da imunidade parlamentar. Alegou que as acusações proferidas pelo vereador afetaram sua reputação e geraram desconfiança por parte dos eleitores.
Entretanto, o relator, desembargador Paulo Kiyochi Mori, baseou sua decisão na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a imunidade parlamentar. Ele destacou que a imunidade material dos vereadores, assegurada pelo artigo 29, VIII, da Constituição Federal, protege suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do município.
Segundo o desembargador, as manifestações do vereador ocorreram dentro dos limites da imunidade parlamentar, não configurando ilicitude passível de responsabilização civil. Ele citou o entendimento do STF de que as ofensas pessoais proferidas no âmbito da discussão política, respeitando os limites constitucionais, não são passíveis de reprimenda judicial.
Dessa forma, a 2ª Câmara Cível do TJ-RO negou provimento ao recurso da prefeita, mantendo a decisão de primeira instância.
ÍNTEGRA DA DECISÃO
Processo: 7003460-12.2022.8.22.0002 - APELAÇÃO CÍVEL (198)
Relator: PAULO KIYOCHI MORI
Data distribuição: 23/11/2022 12:01:22
Data julgamento: 08/05/2023
Polo Ativo: CARLA GONCALVES REZENDE
Advogados do(a) APELANTE: BRUNO VALVERDE CHAHAIRA - PR52860-A, ITALO DA SILVA RODRIGUES - RO11093-A
Polo Passivo: RAFAEL BENTO PEREIRA
Advogados do(a) APELADO: FRANCISCO RAMON PEREIRA BARROS - RO8173-A, MANOEL VERISSIMO FERREIRA NETO - RO3766-A
Relatório.
Trata-se de recurso de apelação interposto por Carla Goncalves Rezende contra decisão do juízo da 4ª Vara Cível da Comarca de Ariquemes nos autos da ação de indenização por danos morais c/c obrigação de fazer ajuizada em face de Rafael Bento Pereira.
A requerente é prefeita do município de Ariquemes e ajuizou ação alegando que o requerido, vereador do mesmo município, utilizou-se do seu tempo de fala na sessão ordinária nº 1362, realizada na câmara o dia 14/02/2022, atentou contra a sua honra e moral, afirmando que a requerente, em conjunto com seu marido, o então deputado Alex Redano, estava propositalmente deixando que faltassem medicamentos no centro de afecções respiratórias (CAR), a fim de criar caos na saúde pública para que posteriormente apresentar uma solução para a população e se beneficiasse da aprovação destes.
Julgado improcedente o pedido inicial, a autora apela argumentando que embora resguardados pela imunidade, os políticos não estão livres de sanções e punições.
Assevera que o apelado lhe imputa a prática de crimes, ocasionando murmúrios pelo Município e desconfiança dos eleitores que a elegeram e confiam em sua imagem.
Requer seja dado provimento ao recurso para julgar procedente o pedido inicial.
Contrarrazões de id 18061918 pelo não conhecimento por ausência de dialeticidade ou, subsidiariamente, não provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
DESEMBARGADOR KIYOCHI MORI
Primeiramente, conforme entendimento desta Câmara, “Não há ofensa ao princípio da dialeticidade quando a apelante aponta os motivos de fato e de direito pelos quais busca reapreciação da matéria pela Corte” (Apelação Cível - Processo n. 7007731-04.2021.8.22.0001, j. em 02/02/2022).
Da simples leitura da peça recursal é possível observar que, diversamente do alegado, a recorrente expõe os argumentos que, no seu entender, mostram-se suficientes para reforma da sentença.
Não é demais anotar que, em regra, no âmbito recursal, não pode a parte invocar matérias que não tenham sido arguidas e discutidas anteriormente, sob pena de violar o princípio constitucional do duplo grau de jurisdição, de modo que a reiteração da tese defensiva em contraponto com a sentença combatida não implica em violação ao princípio da dialeticidade recursal.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
O requerido proferiu o seguinte discurso em tribuna:
[...] CORRUPÇÃO, é isso que a prefeita Carla Redano e o marido dela, deputado Alex Redano gosta, tem que ser falado, tem que ser falado, covardia deixar o povo sofrer, pra planejar vim com a terceirização para Ariquemes.(Sic)
O juízo de origem entendeu que as alegações do requerido constituíram acusações acerca da atuação da então prefeita na condução dos negócios públicos, cuja fiscalização constitui uma das atribuições do legislativo municipal, reconhecendo a imunidade material do parlamentar.
A Constituição Federal, em seu art. 29, VIII, assegura a “inviolabilidade dos Vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município”.
Tal inviolabilidade trata-se da imunidade parlamentar, prerrogativa institucional do poder legislativo, a qual é absoluta no que concerne às manifestações feitas no exercício do mandato a partir da tribuna da casa legislativa em que o parlamentar tem assento, conforme decidido pela Suprema Corte no julgamento do tema 469.
A propósito:
CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INVIOABILIDADE CIVIL DAS OPINIÕES, PALAVRAS E VOTOS DE VEREADORES. PROTEÇÃO ADICIONAL À LIBERDADE DE EXPRESSÃO. AFASTAMENTO DA REPRIMENDA JUDICIAL POR OFENSAS MANIFESTADAS NO EXERCÍCIO DO MANDATO E NA CIRCUNSCRIÇÃO DO MUNICÍPIO. PROVIMENTO DO RECURSO. 1. Vereador que, em sessão da Câmara, teria se manifestado de forma a ofender ex-vereador, afirmando que este “apoiou a corrupção [...], a ladroeira, [...] a sem-vergonhice”, sendo pessoa sem dignidade e sem moral. 2. Observância, no caso, dos limites previstos no art. 29, VIII, da Constituição: manifestação proferida no exercício do mandato e na circunscrição do Município. 3. A interpretação da locução “no exercício do mandato” deve prestigiar as diferentes vertentes da atuação parlamentar, dentre as quais se destaca a fiscalização dos outros Poderes e o debate político. 4. Embora indesejáveis, as ofensas pessoais proferidas no âmbito da discussão política, respeitados os limites trazidos pela própria Constituição, não são passíveis de reprimenda judicial. Imunidade que se caracteriza como proteção adicional à liberdade de expressão, visando a assegurar a fluência do debate público e, em última análise, a própria democracia. 5. A ausência de controle judicial não imuniza completamente as manifestações dos parlamentares, que podem ser repreendidas pelo Legislativo. 6. Provimento do recurso, com fixação, em repercussão geral, da seguinte tese: nos limites da circunscrição do Município e havendo pertinência com o exercício do mandato, os vereadores são imunes judicialmente por suas palavras, opiniões e votos.
(STF - RE: 600063 SP, Relator: MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 25/02/2015, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 15/05/2015)
E ainda:
Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Direito Penal. 3. Crimes contra a honra. Imunidade parlamentar. 4. A agravante sustenta a tese de que o agravado ter-se-ia utilizado da tribuna parlamentar com o objetivo de praticar crimes. Inocorrência. 5. O Supremo Tribunal Federal, pela sistemática de repercussão geral, no julgamento do Tema 469, fixou tese de que o conteúdo das manifestações proferidas por vereador, nos limites previstos no art. 29, VIII, da Constituição Federal (manifestação proferida no exercício do mandato e na circunscrição do município) gozam de imunidade absoluta (imunidade parlamentar material), não sendo passíveis de reprimenda judicial, incidindo o abuso dessa prerrogativa ao controle da própria casa legislativa a que pertence o parlamentar. 6. Agravo regimental a que se nega provimento. ( ARE 964815 AgR, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 07/06/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-134 DIVULG 27-06-2016 PUBLIC 28-06-2016)
(STF - AgR ARE: 964815 MS - MATO GROSSO DO SUL 1411710-03.2015.8.12.0000, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 07/06/2016, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-134 28-06-2016)
Agravo regimental no recurso extraordinário. Direito Constitucional e Civil. Danos morais. Imunidade parlamentar absoluta. Manifestação proferida no interior da casa legislativa. Precedentes. 1. Segundo a firme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, fé absoluta a imunidade parlamentar no que concerne a manifestações feitas no exercício do mandato a partir da tribuna da casa legislativa em que o parlamentar tem assento. 2. Agravo regimental não provido. 3. Havendo prévia fixação de honorários advocatícios, seu valor monetário será majorado em 10% (dez por cento) em desfavor da parte recorrente, nos termos do art. 85, § 11, do CPC, observados os limites dos §§ 2º e 3º do referido artigo e a eventual concessão de justiça gratuita.
(STF - RE: 1283533 MG 5169872-23.2017.8.13.0024, Relator: DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 15/09/2021, Primeira Turma, Data de Publicação: 03/12/2021)
Assim, no presente caso, em se tratando de manifestação verbal efetuada por vereador, da tribuna da Câmara de Vereadores, incide a imunidade absoluta, a que se refere o art. 29, VIII, da Constituição Federal, ausente a ilicitude do ato apta a justificar a responsabilização civil.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso e, nos termos do art. 85, §11, do CPC, majoro os honorários de advogado de 10% para 12% sobre o valor atualizado da causa.
É como voto.
EMENTA
Vereador. Imunidade parlamentar. Acusações sobre atuação pública. Exercício do mandato. Circunscrição do município. Imunidade parlamentar. Dano moral.
O Supremo Tribunal Federal, pela sistemática de repercussão geral, no julgamento do Tema 469, fixou tese de que o conteúdo das manifestações proferidas por vereador, nos limites previstos no art. 29, VIII, da Constituição Federal (manifestação proferida no exercício do mandato e na circunscrição do município) gozam de imunidade absoluta (imunidade parlamentar material), não sendo passíveis de reprimenda judicial, incidindo o abuso dessa prerrogativa ao controle da própria casa legislativa a que pertence o parlamentar.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Magistrados da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, em, RECURSO NÃO PROVIDO NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, À UNANIMIDADE.
Porto Velho, 03 de Maio de 2023
Relator PAULO KIYOCHI MORI
RELATOR
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